sábado, 25 de abril de 2009

Altruísmo intervencionista

A mídia, nesses ásperos tempos de crise, decidiu louvar o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) como o genial autor de uma revolução copernicana na economia e grande benfeitor da humanidade. Elogia-se o "espírito público" de Keynes, ao mesmo tempo em que se lamenta que a visão egoísta e o neoliberalismo (qualquer que seja o significado que se atribua a esta palavra) tenham prevalecido sobre os propósitos do inglês que forjou o acordo de Bretton Woods.

É consequência preocupante desse retorno ao keynesianismo a opinião de algumas viúvas de Keynes, enquistadas em setores governamentais brasileiros, sobre a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF): limitando as despesas públicas ao que for arrecadado, a LRF é nociva, pois os gastos deficitários do Estado possuem um efeito multiplicador que espalha a prosperidade.

Em seus anos de formação intelectual, Keynes integrou uma sociedade secreta em Cambridge conhecida como Os Apóstolos e posteriormente a confraria de letrados ilustres denominada Grupo de Bloomsbury, subprodutos do caldo cultural do socialismo fabiano. Hedonismo, niilismo, elitismo, iconoclastia, bissexualismo, pedantismo, amoralismo e socialismo eram os traços comuns aos integrantes desses grêmios. Para o filósofo G. E. Moore, autor da Principia Ethica (que exerceu forte influência Keynes) não existiam princípios morais universais, reduzindo-se a ética aos prazeres estéticos pessoais. Não é possível compreender o caráter de Keynes, nem sua atuação política e sua produção científica, isolados do contexto ideológico em que ele se formou.

A economia, na época em que Keynes tornava-se uma autoridade no assunto, já se tornara uma ciência altamente especializada e inacessível aos leigos graças ao crescente formalismo matemático, bem como o desenvolvimento de um jargão próprio ininteligível. Esta ininteligibilidade carrega consigo o risco de se permitir argumentações contaminadas por desonestidade intelectual. Longe iam os dias em que os não especialistas cultos compreendiam com relativa facilidade os teoremas enunciados no bom e velho raciocínio dedutivo verbal por Adam Smith e David Ricardo e podiam acompanhar ativamente as polêmicas travadas pelos grandes nomes da área. O complexo verniz matemático utilizado pelos economistas modernos, na verdade encobre proposições bastante simples e passíveis de serem expressas em lógica discursiva. Trata-se de uma violação do princípio do método científico conhecido como navalha de Occam, segundo o qual não se deve complicar desnecessariamente o que pode ser enunciado de modo mais direto. A panóplia de curvas, equações e modelos matemáticos serve para dar aos economistas a ilusão de contarem com um instrumental metodológico científico, copiado das ciências exatas, confundindo e atemorizando o não especialista. Mas acima de tudo serve para ocultar o absurdo e a ilogicidade de suas proposições, que se expostas claramente não enganariam qualquer crítico inteligente. Keynes foi um dos que mais contribuiu para turvar a ciência econômica com essa finalidade.

O primeiro obstáculo no caminho de Keynes, para substituir o capitalismo liberal por alguma formulação econômica fabiana, era o padrão-ouro. Como sabemos, a moeda nasceu espontaneamente do intercâmbio social em um sistema de divisão do trabalho e troca direta de mercadorias. No curso de milhares de anos, o mercado (isto é, os indivíduos cooperando voluntariamente através de contratos de modo a que cada um pudesse atingir seus respectivos fins livremente escolhidos) selecionou entre várias mercadorias-moeda o ouro como o dinheiro por excelência. As notas e os depósitos bancários eram resgatáveis à vista, ou seja, tinham que ser convertidos em ouro a qualquer tempo. A oferta de moeda na economia mundial era regulada pelo mercado e não pelos políticos e suas "equipes econômicas".

Quem não estava nada satisfeito com esse arranjo eram os bancos, e principalmente os governos. Os bancos queriam emprestar a juros além de suas reservas em ouro, criando dinheiro do nada com uma simples penada contábil. Os políticos desejavam assumir o controle total da moeda e do sistema financeiro, adquirindo o poder de criar dinheiro à vontade e distribuí-lo aos grupos de interesse de sua preferência, bem como tributar sem controle parlamentar e popular por meio da inflação. Em favor dos políticos e dos bancos, Keynes publicou Tract on the Monetary Reform, em 1923. A idéia central desse livro era que o padrão-ouro deveria ser abandonado de uma vez por todas e que o controle da quantidade de moeda na economia deveria ser confiado aos bons ofícios dos políticos, essas almas puras inteiramente dedicadas ao bem comum, que se encarregariam de zelar pela estabilidade da moeda e do "nível geral de preços".

Para Keynes, o Estado poderia "salvar o capitalismo" socializando o investimento, substituindo os empresários instáveis e egoístas. Em tempos de depressão, bastaria ao governo "investir" o suficiente para suprir a carência de investimento privado, mesmo que tal significasse um déficit orçamentário. Déficit não seria problema, posto que os "investimentos" do governo poderiam ser cuidadosamente planejados de forma a produzir "efeito multiplicador", uma fórmula matemática que permitia calcular com precisão e rigor os efeitos revigorantes dos "investimentos públicos". Como financiar o déficit? Com endividamento público, o qual desviaria dinheiro privado ocioso para finalidades socialmente úteis segundo o julgamento dos políticos e burocratas; e também com a criação pura e simples de dinheiro do nada, via lançamentos contábeis entre o Banco Central e o tesouro.

Outra medida fundamental era a tributação progressiva da renda dos ricos, cuja "propensão a consumir" é baixa, em favor dos pobres, cuja "propensão a consumir" é alta. A poupança era a vilã e tinha que ser desencorajada a qualquer preço. Outro instrumento de estabilização seria a progressiva redução da taxa de juros até zero. O juro é um instrumento de opressão usado por usurários inescrupulosos com finalidades egoístas. Sendo assim, nada impede que o Estado, em nome da felicidade social, suprima o juro e propicie uma abundância geral de capital, sem qualquer consequência negativa.

O comércio internacional e a divisão internacional do trabalho eram meras abstrações que deveriam ceder diante do imperativo do "pleno emprego". A prioridade dos governos deveria ser o "pleno emprego", mesmo que tal exigisse o fechamento da economia para o comércio externo. O que Keynes propunha era uma reinvenção radical do mercantilismo, ao qual não poupou elogios em seu livro.

Vamos resumir? Keynes considerava que o Estado levaria luz ao fim do túnel pútrido e sombrio das contradições internas do capitalismo, conduzido por homens racionais e benevolentes, empunhando as ferramentas científicas apropriadas (o keynesianismo, claro) e atuando em nome do puro bem comum. Caro leitor: você acredita no altruísmo de Guido Mantega, Mangabeira Unger ou Dilma Roussef?

*Coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela e membro do Conselho Consultivo do Instituto Cultural de Artes Cênicas do Estado de São Paulo (ICACESP)

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